quinta-feira, 16 de junho de 2016

Dançaremos quando tudo acabar, lhe prometo



Quem está preparado para a morte? Quem está pronto para se despedir? Quem está pronto para nunca mais ver aquele ser? Ninguém... Ninguém está pronto para se despedir para sempre, ninguém está pronto para ver alguém ser definitivamente enterrado em um bocado de terra e escuridão.

Sempre, sempre imagino o que deve ser apagar, sempre imagino o que pode haver depois daquele momento, penso na consciência que se adquiriu e para onde ela então vai, penso em como deve ser e a palavra descanso, me soa assustadora, me soa brutal de certa forma.

Me lembro de muito pequena, ao dormir, pensar sobre o que seria se eu não acordasse mais, se desaparecesse de mim, se não visse mais meus pais, amigos, se não pudesse mais ter o que tinha, como se o que tivesse fosse algo cotidiano e inerente à minha condição de ser quem sou.

Ao mesmo tempo em que lamento e sofro com a morte dos que amo, não consigo expressar lamentação condizente com a dor dos viventes. Não sei... Não consigo dizer nada como se qualquer coisa que dissesse fosse soar falso e cruel, já que a dor é tão gritante. Dizer qualquer palavra de consolo pode parecer soprar sobre um vulcão, na tola esperança de que se apague. Não apagará.

Acredito que a morte seja experimentada em cálices durante a vida, em pequenos cálices que podemos tomar em goles o quanto se pode suportar por um dia, às vezes pode ser que não se perceba quantos goles foram tomados e aí, as chances de reversão do estado de morte poderão não existir. O sujeito passará a vida, passará a vida morto, e talvez, a morte do seu corpo físico lhe represente então a vida, que lhe foi tirada por si mesmo quando mergulhou no cálice da dor.

A morte, de olhos negros e de escuro denso e forte como não se pode sequer imaginar, está sempre a sussurrar, seu anseio maior é que lhe tomem os cálices em mais e mais goles, para que assim, possa dançar no grande espetáculo também como protagonista.

Mas há aqueles que em alguns dias sequer bebe um gole que seja de seu elixir e vivem numa expectativa de vida tão sublime e tão reta diante da luz que não param para morrer enquanto vivem, que não desejam simplesmente experimentar ainda o final absoluto. 

A morte vaga forte sim, mas ao mesmo tempo, cabisbaixa por não conseguir levar consigo fachos de brilho intermitente em lugares pelo mundo. Ela passa dor dores, por fome, por secas, pelas feras indomáveis e segue vagando, vagando, buscando com sua bandeja repleta de pequenos cálices.

Passa pelo tolo que tem sede e este, este toma um gole ao menos, pois parece aprazível depois do cansaço... Passa pelo triste, que acredita que não haverá mais motivos para regozijo e se perde em incontáveis goles... Passa pelo alegre, que não teme, toma um gole do duro cálice, mas sabendo que é ácido ao paladar, logo interrompe a degustação... Passa pelo distraído, que então se envereda por beber não só um, mas vários cálices... 

Depois de muito passar, a morte então chega no vivo... que a encara com leve sorriso, toma um gole do cálice, mas ao terminar lhe diz: “dançaremos quanto tudo acabar, lhe prometo”. A morte também lhe sorri e sabe que talvez não demore muito a tal dança, mas ainda assim, será um grande prazer a dança com um legítimo vivente, que nem sequer depois de morto, deixará de exalar... a vida, o seu presente.

E um dia refletindo sobre ser quem é, a morte pensa sobre o que seria de si se vivesse e por um momento ela não consegue suportar a ideia de viver morta até ter o corpo para sempre adormecido.

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