Depois de voar horas e horas pelo Universo, Vespúcio teve uma ideia:
— E se eu finalmente caminhasse sobre o planeta Terra e desse só uma espiadinha? — levantou dos anéis de Saturno, onde estava sentado para descansar, e voando em questão de segundos chegou à superfície do planeta Terra, o planeta que particularmente para ele, era o mais enigmático e interessante. Vespúcio caminhava com curiosidade e finalmente se inclinou, sem que ele percebesse um meteoro lhe atingiu e mesmo sabendo voar, se desequilibrou e caiu. Ele não fez força para voar, a sensação de embriaguez por estar em um planeta tão diferente do seu, o dominou. Os diversos odores lhe penetravam nas entranhas e pouco antes que caísse em terra firme, vomitou líquido lilás fluorescente.
Sentado em sua cadeira de cortiça com seu violão, o homem coberto de vômito era o engraçado Ramalhão:
— Eita meu sinhô, que pássaro doido foi esse que cagou?
Apenas de cueca e botas de cangaço, Ramalhão se dirigiu à beira do rio:
— Eita meu sinhô, que ômi misterioso é esse aqui nesse sertão? — Ramalhão com seus olhos naturalmente esbugalhados via o homem com seus olhos triangulares e disse:
— Ômi do céu, carnaval já passou cabra, e tu vomita bem em cima do meu violão? Eita cachaça nociva da moléstia! — Vespúcio se levantou intimidado, mas não sentia nada de ruim pelo terráqueo engraçado que lhe falava:
— Me desculpe senhor terráqueo, é que eu estava apenas observando o seu planeta, quando um meteoro me surpreendeu e eu caí, o cheiro do seu planeta embrulhou o meu estômago e eu vomitei — Ramalhão surpreendeu o extraterrestre com a naturalidade com a qual lhe respondeu:
— Não se aporrinhe ômi, essas coisa aconteci, mas intaum cê é um ET? — Ramalhão o fitava com doçura enquanto Vespúcio o respondia:
— Eu sou da zona sul do planeta Plutão, eu achava que todos os terráqueos fossem iguais — disse encantado.
— Ixi ômi, cê tá doido? Sou igual esse povo doido não — dizia Ramalhão com seu sotaque carregado, seus olhos arregalados e seu jeito engraçado — Qué qui tu pensa do povo daqui?
— Ah terráqueo, as pouquíssimas vezes em que me inclinei para observar o seu planeta, vi coisas assustadoras, homens se matando, muito líquido vermelho escorrendo, homens pegando objetos que não são deles, e muitas vezes pegando objetos com violência de outros homens, vi também muitos objetos de nome arma, e em muitos lugares pessoas choram, gritam ou não acordam nunca mais.
— Ixi ômi, tu viu foi a realidade desse lugar, aconteci muita coisa assim aqui, mas aqui nesse sertão com esse violão véio que só, eu vivo sozinho e tento num pensá no que aconteci por aí — dizia Ramalhão compassivamente ao extraterrestre cada vez mais impressionado — E qual seu nome caro ômi de Plutão?
— Me chamo Vespúcio e você?
— Eu sou Ramalhão, meu nome é João Ramalho, mas mi chamam pelo apelido, tu chame tamém visse?
— Nossa Ramalhão, você é tão diferente do que eu imaginava — dizia Vespúcio com seriedade e admiração.
— Eita ômi, vivo aqui só, tenho minha viola, como das coisa que a minha terrinha dá, trabaio com artesanato, vou pra cidadi uma veis na semana, fico o dia todinho tentano vendê, mas minha vida é isso aqui, simples que só, sou feliz assim.
— Puxa vida Ramalhão! Que grande ironia, no meu planeta eu também convivo com a solidão, gosto de ficar na minha cratera na zona sul da terra azul e sem leis, trabalho como assistente antissocial, ajudo os seres do meu planeta, mas não me sinto bem convivendo em grupo, prefiro andar pelo Universo e admirar os planetas, gosto de ficar sozinho.
— Eita ômi que beleza e cêis lá vive como? Come o quê?
— Ramalhão lá não precisamos de alimento como aqui e também não há a necessidade de dinheiro.
— Oxi, ah que beleza! Assim que eu queria vivê ômi — dizia Ramalhão com semblante sonhador.
— Não achava que poderia ser tão semelhante a um terráqueo!
Ramalhão e Vespúcio conversavam sobre muitas coisas e as curiosidades não cessavam. Os dias passavam e Vespúcio abrigado no pobre barraco de Ramalhão, parecia tristonho:
— Ramalhão, eu preciso voltar para Plutão, foi muito enriquecedor encontrá-lo e conviver aqui neste sertão, mas sinto falta do meu planeta, das estrelas, da lua, de sentar nos anéis de Saturno, de observar os planetas da superfície.
— Oxi ômi, fique mais um pouco, num é sempre que um cabra legal assim aparece nesse sertão de meu Deus — dizia com sua voz inconfundível e fala devagar.
— Você tem razão Ramalhão, estou realizando um sonho, que era ficar um tempo em outro planeta e conhecer um terráqueo, ficarei mais uns dias por aqui — dizia Vespúcio enchendo de alegria o coração de Ramalhão.
— Ixi, meu coração não guenta não ômi, bora conversar mais, bora.
Muitos dias se passaram, Vespúcio se dividia entre a amizade do terráqueo e a saudade do seu planeta, até que um dia o inevitável aconteceu:
— Ramalhão, eu não queria, mas ao mesmo tempo você sabe... sinto saudade do meu planeta, do Universo, da minha vida por lá — os olhos triangulares marejados deixavam escorrer lágrimas fluorescentes.
— Sei disso ômi, num é fácil mesmo não, mas saiba ocê, que mesmo longe em outro planeta, a amizade continua visse? — Ramalhão dizia com olhos também lacrimejantes, porém com seu jeito excêntrico e humor inconfundível.
Anoiteceu, e após um longo abraço, Vespúcio voou numa velocidade imperceptível aos olhos do maluco Ramalhão.
E até hoje quando está sentado em sua velha cadeira com sua antiga viola, Ramalhão lembra com carinho do seu amigo extraterrestre. E Vespúcio quando caminha sobre o planeta Terra, lembra com carinho do amigo Ramalhão, e é como se ouvisse:
— Ômi do céu!